segunda-feira, 29 de outubro de 2012

o capitalismo não é um país pequeno (II)





E a história repete-se, mais ou menos: agro-indústria associada a monocultura, expropriação de terras, redução drástica da biodiversidade, formação de um proletariado rural eminentemente masculino e jovem, salários a peso, alojamento degradante, contaminação de águas, erosão dos solos, recrutamentos que, repressão armada, mortos os líderes incómodos. O governo: Lulabraçóbush, cestas básicas, umas escolitas pra educare a prole, umas inspecçõezecas aos locais de trabalho, reservasitas para os indígenas nas piores terras.

A revolução verde continua a ser uma merda. Na cabecita dos despojadores, o que interessa é cibilizare.
Ordem e progresso, pá.

domingo, 28 de outubro de 2012

o capitalismo não é um país pequeno (I)

Imagem de Paulo Moreira
Em Henrique Galvão, eminente colonialista português e deputado por Angola à Assembleia Nacional desde mil nove quarenta e seis, houve um pioneiro na defesa do comércio justo:
O milho de Angola, pelo qual o produtor indígena recebe, teoricamente, entre $40 e $50, realmente entre $30 e $40, é pago pelas classes pobres que o consomem a 1$80. Sofre entre o produtor e o consumidor uma elevação de quase 600 por cento. O café, que se vende em Lisboa, ao balcão, a 25$ cada quilograma, sai de Angola, das mãos do produtor, a pouco mais de 2$00. E o mesmo acontece com o feijão, a carne, o arroz, etc. Entre o produtor e o consumidor - os extremos do sacrifício e sobre os quais pesam todos os amargores desta desarrumação - ou antes: contra o produtor e o consumidor forma-se uma escala inacreditavel de encargos fiscais, de taxas de despesas de transporte, de lucros de intermediários, etc., que, sendo manifestação clara de descoordenação só por si explicam a prosperidade afrontosa de certos indivíduos e a miséria pungente de muitos mais.*

Donde se conclui que toda esta entrada da wikipédia é um equívoco.

*Intervenção na AN a 20 de Março de 1947, citado em: José Capela, O imposto de palhota e a introdução do modo de produção capitalista nas colónias..., Porto, Edições Afrontamento, 1977, pp. 231-32.

estruturas em todo o lado

Ai. Tenho aqui um nativo a queixar-se do problema da mão-de-obra. Sempre o mesmo queixume, desde mil nove quarenta e nove, sempre o mesmo. Antes era igual, mas agora é diferente: já a FRELIMO tem lugar entre os personagens que dão corpo à indolência dos nativos deste meu nativo, cujo argumentário não se distancia por aí além do dos seus pares (doodoos, está certo, soa esquisito). A conduta da gente lusíada em terras de África sempre respeitadora da dignidade humana. Ui. Criminoso era dar ouvido aos arreganhos (arre-ganhos) anti-portugueses que vinham das ONUs e tudo o mais. A persistente indolência do africano rebaixa o espírito da gente lusa, que em tempo de guerra e conspirações dos libertadores - entre aspas, libertadores - quase no fim, a guerra - mas isso o meu nativo não sabe -  confunde, o espírito da lusa gente confunde, este nativo, com o sonho de dispensar a mão-de-obra por maquinaria mais hábil que reduza ao máximo o dispêndio de energia na utilização das facas. Dito assim: "dispêndio de energia na utilização das facas" (os cortadores de folhas, nas plantações, com a psique como que enquadrada num sistema de trabalho do tipo oficina).

Dez anos antes já assim se dizia, o que se quer é elevar o bem-estar dos trabalhadores e das famílias que os acompanham, tratar os problemas sociais e dedicar alguma, importante, mesmo quando não mais, atenção à promoção e acesso social vírgula sem qualquer racismo abre parêntesis coisa que em Portugal nunca existiu fecha parêntesis.
Contra neonegrófilos e suas fanfarronadas marchar, marchar.

domingo, 21 de outubro de 2012

Manuel António Pina

Era preciso mais do que silêncio,
era preciso pelo menos uma grande gritaria,
uma crise de nervos, um incêndio,
portas a bater, correrias.
Mas ficaste calada,
apetecia-te chorar mas primeiro tinhas que arranjar o cabelo,
perguntaste-me as horas, eram 3 da tarde,
já não me lembro de que dia, talvez de um dia
em que era eu quem morria,
um dia que começara mal, tinha deixado
as chaves na fechadura do lado de dentro da porta,
e agora ali estavas tu, morta (morta como se
estivesses morta!), olhando-me em silêncio estendida no asfalto,
e ninguém perguntava nada e ninguém falava alto!

Atropelamento e Fuga (2001)