quinta-feira, 24 de maio de 2012

Resistentes da Meia Praia

Resistentes da Meia Praia
 
 
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«Um grupo capitalista, que ostenta ligações ao poder político, age impunemente na Meia Praia. Contra a destruição do Bairro 25 de Abril, os moradores têm hoje a mesma união que há mais de 30 anos lhes garantiu o direito a viver em casas dignas»

No final de Novembro, em resposta ao deputado do PCP eleito pelo Algarve, a ministra Assunção Cristas colocou-se ao lado dos interessados em expulsar da Meia Praia as famílias de pescadores que habitam no Bairro 25 de Abril. Paulo Sá questionara o Governo sobre a falta de obras de requalificação (em particular, o não asfaltamento das ruas) e o corte de um caminho centenário (a deixar cerca de um terço da bela baía para uso exclusivo do Palmares Golf Resort, um empreendimento turístico de luxo).

O Governo evocou o Plano de Urbanização da Meia Praia, de 2007, e deu assim toda a cobertura à posição da Câmara Municipal de Lagos, a quem aquele PUMP foi oferecido... pela empresa Palmares. Ali se escreveu que «a área actualmente ocupada pelo Bairro SAAL – 25 de Abril, será renaturalizada, após realojamento da população residente».
A governante também invocou a Rede Ecológica Nacional, para explicar o impedimento ao asfaltamento das ruas. Mas não fez qualquer referência aos diplomas que determinam a utilidade pública dos terrenos, dão total legitimidade e legalidade à construção do bairro e atribuem à Câmara Municipal a responsabilidade das infraestruturas.
«A ideologia classista condenou o bairro à exclusão social», comentou, no blogue da concelhia do PCP, José Veloso, autor do projecto SAAL na Meia Praia. O arquitecto comunista, autor de contundentes e esclarecedores artigos na imprensa local e regional, acompanhou a reportagem do Avante! no bairro, na passada sexta-feira, e tem ali estado frequentemente, com outros camaradas.
Ainda no dia 22 de Outubro houve uma sessão do Partido, no Centro Comunitário do CASLAS (uma IPSS com forte implantação no concelho), onde foi mostrado um filme sobre a construção do bairro. O PCP ofereceu à Associação de Moradores um dossier com a legislação aplicável e um cartaz, colocado desde Novembro no largo principal. Um comunicado do Partido sobre este problema está afixado no café, ponto central do convívio de jovens e de seniores.
Numa breve volta pelas ruas, até ao «muro da vergonha» erguido ilegal e impunemente pela empresa proprietária do resort vizinho, fomos saudados amistosamente. José Veloso cumprimentou ainda alguns moradores do grupo inicial de construtores do projecto que liderou há três décadas e meia.
Contaram-nos que o actual presidente da Câmara, eleito em 2001 por escassos cem votos, que muito se esforçou por angariar com promessas de resolução dos problemas do bairro, há muito tempo não é ali visto. Pelo contrário, muitos recordam que o PCP nunca deu motivos para nele perderem a confiança.

História dá ânimo

Começaram a chamar «índios» aos pescadores que, no início da década de 1970, vieram de Monte Gordo e assentaram arraiais na Meia Praia. Tinham isco e marisco na Ria de Alvor, tinham peixe na Baía de Lagos... e tinham a GNR à perna, a destruir-lhes as barracas cobertas de junco, apanhado nas dunas. O colmo dava uma aparência de aldeia de índios. Resistentes, tanto quanto a sobrevivência exigiu, foram conquistando o espaço.
A revolução de Abril significou, para estes «índios», o direito a terem ali casa digna. Em Agosto de 1974 foi lançado no País o SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local). José Veloso agarrou esse instrumento e levou a Meia Praia para um processo de participação popular, ainda hoje referenciado quando se trata de habitação social e que deu fama internacional a grandes arquitectos. No Bairro 25 de Abril as casas foram entregues em 1978 a 41 famílias.
Estes moradores fizeram tudo dentro da lei, trabalharam e pagaram, como lhes foi exigido. Tiveram apoios do Estado e têm direitos. Herdeiros de uma história de resistência, os «índios» de hoje estão dispostos a ir à luta, sabendo que as forças são muito desiguais, mas conscientes também de que a sua causa é justa.»

 http://www.avante.pt/pt/1995/emfoco/118869/

 


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